Em tempos anteriores a 1950, o povo vivia a Quaresma com bastante austeridade e sacrifício. Tempo de jejum e penitência, as orientações da Igreja deviam ser cumpridas a rigor. O jejum e a abstinência eram impostos na privação total ou parcial de ingestão de alimentos como penitência para conseguir as benesses de Deus e o perdão dos pecados. Quem não cumprisse, pecava. O pároco, entretanto, poderia dispensar alguém através de “bulas” e “indultos”, substituindo estes preceitos por outros atos. Havia pessoas que, por convicção própria, não comia carne em nenhum dia quaresmal, daí a tradição do nome “Carnaval”, que significa “adeus carne”, em latim “carnis levale”. Era também na Quaresma às terças e sextas -feiras, geralmente após a Via-sacra, ao romper da noite, que um grupo de homens subia os morros daqui, da Várzea e da Gameleira e, ajoelhados junto à cruz, quer chovesse ou ventasse, entoando cânticos e impropérios diversos. As suas vozes, ecoando nas encostas dos Montes, ressoavam sobre os telhados das casas. Ali, famílias inteiras ajoelhavam-se em suas casas, unindo-se às preces dos cantores, suplicando bênçãos para os pecadores e infelizes. Naquela época, fizeram da Quaresma um tempo muito tristonho e medroso, criando uma atmosfera lúgubre a envolver os 40 dias. As crianças eram advertidos para não cantar rodas e outras brincadeiras. Não se deveria cantar músicas, a não ser religiosas. Nada de diversão. Os casamentos ocorriam sem solenidade. Era proibida a caça. Recebíamos ordens para não usar o estilingue. Se as crianças fizessem alguma malcriação, eram-lhes prometidas surras, após a “Aleluia aparecer”! Os tambores dos terreiros silenciaram-se! Era tempo de fazer as pazes! A vida normal do povo dava lugar a um sentimento de lamentação. Com o advento do Concílio Vaticano II, velhas estruturas deram lugar a uma visão humanista da Quaresma. Repetindo D. Helder Câmara: “Não há penitência melhor do que aquela que Deus põe em nosso caminho sempre”.
Texto: Antônio Gilvandro Martins Neves.