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Sertanejo Aguardando Pela Chuva
A ansiedade cresce à medida que o tempo passa e a seca se torna mais severa e cruel. Vão passando os dias, os meses vão ficando para trás, no seu rastro o sofrimento e a dor. O capim some devorado pelo rebanho, a água desaparece sugada pelo sol, o mato fica triste por falta de umidade e perde suas folhas. O efeito é dominó, depois é a vez das criações serem engolidas pela sequidão; e se a estiagem for demorada, trucidará também os humanos.
Mas há o sertanejo forte e determinado, que suporta tudo e sofre calado. Este espera pela graça, firme, resoluto. Ama o sertão como ele é, nu e cru, com suas alegrias e as suas tristezas. Sabe que mesmo a desgraça tem tempo marcado para terminar. Ver sua vida descer ladeira abaixo, contudo sonha com o frescor da chuva revigoradora de tudo. Sabe que quando a água do céu chegar, a mudança será rápida.
Cansado não cansa de olhar ao céu, vasculhar as nuvens em busca de um sinal. Procura nas plantas uma pista, nos movimentos dos animais. Todas as noites, ele sonha com a chegada tão esperada. A vida se mistura com os afazeres e a esperança da dádiva. É uma agitação no peito, um batimento forte. Anda apreensivo, pensa muito. Como não há outro jeito, espera.
Certa manhã, sinais surgem, as formigas se assanharam, a jurema preta mostra querer soltar suas flores, o juazeiro que havia perdido as folhas está verdejante, andorinhões cruzam o céu em cantoria. Um sorriso se perde pelo canto da boca, o sinal enfim apareceu. A chuva está a caminho. Um contentamento toma seu ser. Corre para dá a notícia à esposa. Já sente nas narinas o aroma ímpar dos primeiros pingos no chão seco, nas telhas secas. Vislumbra a água escorrendo das pingueiras do telhado e em enxurradas indo afoitamente encher os barreiros, os riachos, os rios. Lembra dos lírios da chuva, das cebolinhas de sapo, a cobrir o campo de beleza e perfume. Os passarinhos cantando alegre na construção dos ninhos. O mato trocando a mortalha da morte pela roupa da bonança e da vida.
E no decorrer do dia, as nuvens vão se acumulando pelo céu azul. Um mormaço toma o ambiente. A alegria vai aumentando. “Ela ainda virá hoje, com fé em Deus”. No final da tarde, do norte às nuvens escuras, relâmpagos dão as boas-vindas, trovões de alegria avisando que a visita tão aguardada acabava de chegar.
O sertanejo aguarda sentado em sua velha cadeira de balanço no alpendre da velha moradia. O cachorro deitado ao seu lado dorme sem imaginar nada, sonha com um osso, com comida, a barriga ronca, ele suporta o peso da fome. E o barulho da chuva não tarda, ela parece caminhar na direção do sertanejo, corre para avisar que seus pedidos enfim foram ouvidos pelo Criador. Logo os primeiros pingos no telhado levantam gostoso barulho, som tão esperado, levanta a poeira que há muito lá estava acomodada. E a chuva chega correndo e passa em direção a outras residências. Desce com força, com vontade. Relâmpagos e trovões fazem a festa. O homem sentado sorrir, acordado sonha. Quer que o dia nasça e que assim possa contemplar tudo e começar o trabalho. Volta atrás. “Melhor que continue chovendo”. A chuva cai à noite toda, parando com o canto do velho galo no terreiro, já dia claro. Noite bem dormida, noite de sonho realizado.
Bastou uma chuva. O sertanejo alarga os olhos pelo ambiente, já ver as transformações. Suspira, sorve o café quente na caneca de esmalte. A mulher sai à porta para se alegrar com a alegria do esposo. Passarinhos cantam na árvore sem folhas.
O homem do sertão pega sua enxada enferrujada e a mete no chão molhado fazendo cava, dentro joga alguns grãos de milho. Ali é o recomeço da criação do paraíso. O sertão tem este poder de se dá ao luxo de ser paraíso. A chuva é a responsável por toda esta mudança. Já não há dor, não há sofrimento, germinou a esperança, brotou a felicidade.
Autor: Luiz Carlos Marques Cardoso.