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Pássaro na Gaiola.
Quem nasceu livre e viveu por este mundo a voar sem grilhões ou cadeados e de repente se ver preso engaiolado, para o coração é uma dor insuportável de aguentar. Isso ocorre rotineiramente com os animais, principalmente com os passarinhos que cantam bonito e melodioso. A tristeza que consome o pobre ser é talvez a mesma da morte. E nós seres humanos não nos damos conta da tragédia que tatuamos na vida de cada indivíduo que assim fazemos prisioneiro.
E um pássaro canoro teve o azar de cair em uma arapuca, ou alçapão, armado por um homem moderno sem caráter e sem sensibilidade. Ele vivia a cantar pelas redondezas nas primeiras horas do dia e nos finais das tardes. Cantava alto e bonito, destacava-se dos demais. Uma qualidade que atraiu os olhares cobiçosos. Várias pessoas queriam tê-lo para si em uma gaiola para alegrar apenas seu ambiente. Repartir aquela alegria com a comunidade, jamais, teria que ter dono.
Qual o direito possui uma pessoa de capturar um passarinho e se glorificar como dono dele? Poderei eu capturar este passarinheiro e fazê-lo meu escravo? No passado, assim foi feito; na atualidade, já não se pode mais. Mas também há lei que proíbe a caça e a captura dos animais, contudo, na prática, não o pegou, lei para inglês ver. De fato o que vale é a nossa consciência e a nossa educação, coisa que anda em falta na mesa e nas escolas brasileiras. Enquanto isso, vamos acabando com a alegria das matas.
O passarinho distraído com as belezas do ambiente, voando de um lado a outro, cantando para impressionar sua doce amada, sem querer, sem se dá conta, ao ver o delicioso milho em certo local, voo feliz para saboreá-lo, incauto perante as armadilhas do mundo, aéreo frente aos olhos que o cobiçavam já há algum tempo. Ao descer e pisar na haste, seu corpo desceu e a tampa o fechou no recinto. Um grito de felicidade ecoou pelo ambiente.
É meu! É meu! Conseguir capturar o danadinho. Vai cantar só para mim agora.
Enquanto havia felicidade no coração do demônio, o medo, o pavor e a dúvida apossaram-se do corpo do pobre animalzinho. E a liberdade? E o amor? E a minha vida? O passarinho se debatia com violência na triste tentativa de escapulir.
O rapaz agarrou o alçapão com ímpeto e alegria. Correu para casa para agasalhar o pássaro em uma gaiola maior e mais confortável, com água e comida. Logo o passarinho já estava em seu novo lar, preso, posto em uma parede. Um astro precisava brilhar.
Seu primeiro dia naquele ambiente foi de dor e perversidade. O ser humano não consegue imaginar o sofrimento que é perder a liberdade desta forma. De uma hora para outra não poder mais voar, não poder mais está com os seus amigos e parentes, não poder mais reproduzir com a sua companheira. Um tiro certeiro em um dos princípios naturais que é a liberdade.
Na manhã seguinte, de tanta tristeza e paixão, ele cantou como nunca em sua vida, desejava que seu amor viesse a ele, que Deus lhe ouvisse os seus alentos de desespero. O proprietário todo feliz alegrava-se com a conquista. Amigos logo chegaram colocando preço no passarinho. O dono resoluto não o venderia por dinheiro algum.
A beleza sempre atrai olhares de cobiça. Os amigos que lá iam ver o pássaro, invejosos, já imaginavam como surrupiá-lo. O ouro foi feito para ser guardado a sete chaves, debaixo do chão, longe dos olhares. Esposa bonita, do mesmo jeito. Passarinho cantador, não foge à regra. Quanto mais ele cantava, mais a inveja crescia. Uma simples oportunidade para mudar de mãos o cantador. Enquanto o dono sorria por possuir tal tesouro, a horda matutava como furtar o pertence que se achava de outro.
E o passarinho sem saber o que fazer sofria, e por sofrer cantava ainda mais, e mais bonito. Cantava de dá dó. Para os humanos era pura alegria. Se soubéssemos como é o sofrimento destes seres, jamais nos daríamos ao direito de pô-los entre grades. Ele soltava seu lamento rogando aos companheiros para lhe salvar de tal situação. De tanto cantar, os seus colegas também viram a inveja brotar, crescer, ganhar corpo e tomar a razão. Que fique preso, assim era pensado por eles. Tinham alguns que vinham à gaiola tirar sarro, afrontando-o. A beleza neste mundo é perigosa, não temos capacidade para apreciar o belo que vive em outro, pensamos em destrui-la para nos igualar a baixeza das coisas.
A beleza do canto trouxe ao pobre pássaro todas as piores dores que possam ser sentidas por uma ave. A inveja estava por todos os lados sempre a cobiçá-lo ou ao maldizê-lo. Depois de alguns dias passados nesta condição, foi-se acostumando com seu destino, com a sua desgraça. Até nas adversidades somos capazes de nos adaptarmos e seguirmos vivendo. Todavia, dentro de si a chama da esperança estava sempre vida, sonhava com a liberdade, não parava de cantar a Deus pedindo uma solução, sua salvação.
Certo dia, um rapaz pulou o muro e foi ao local da gaiola e a pegou. Quando foi voltar para pular novamente, o dono o viu e gritou:
– Deixe meu passarinho, senão eu atiro!
O ladrão sem saber o que fazer deixou a gaiola e pulou o muro na correria. O dono armado com um revólver trinta e oito atirou, o tiro acertou o muro. O ladrão em alvoroço ganhou o mato e sumiu. A gaiola ao cair no chão por graças Divinas abriu a portinha, o passarinho que estava todo aflito viu a liberdade e em segundo, antes que o dono pudesse fechar a porta saltou para as benesses do céu. O ex-dono ficou irado, chorava de raiva, tinha perdido o seu maior tesouro. Voltaria a armar suas armadilhas, mas aquele passarinho nunca mais seria tolo em cair em arapuca.
De tanto sofrer, de tanto temer pela sua liberdade, partiu com a sua parceira e foi viver no alto da serra onde corria um doce riacho que fertilizava o chão para árvores frutíferas e o capim verde que estava sempre assim durante todo o ano. Fugia da cidade e ia morar no paraíso. Deus tinha ouvido suas preces. Alguns irão achar que fora pura sorte da vida, mas saiba, Deus existe e está vendo lá do céu o que andamos aprontando aqui na Terra.
O rapaz que tinha aprisionado o passarinho, meses depois se envolveu numa briga, atirou em uma pessoa e se viu preso nas grades da lei. Pagou na mesma moeda, sentia como era o padecimento de se ficar engaiolado. Na vida só damos valor nas coisas quando as perdemos. A liberdade é um dos atributos mais importantes para cada ser humano, sem ela nos assemelhamos a feras, mas as feras também precisam do seu habitat e de sua liberdade para usufruírem das alegrias da existência. O mundo é um ambiente hostil, onde a lei maior é a da sobrevivência. Destarte, o homem foi dotado de inteligência e assim deve agir de tal forma que faça jus a sua categoria de ser racional. O ecossistema terráqueo precisa da nossa compreensão para não entrar em colapso e nos levar junto neste turbilhão de acontecimentos indesejados.
Autor: Luiz Carlos Marques Cardoso.