Para sair um pouco do trivial, dedico merecidamente essa crônica aos meus amigos Cardozinho e Délio João Viana Maritns, filhos respectivamente dos senhores Érico Cayres Cardoso e João Martins Spínola, os dois batutas que disputaram a primeira eleição para prefeito de Água Quente. Dois gigantes no conceito de homens públicos, pais de famílias, políticos de mãos cheias, com vasta amizade em toda região do Vale do Paramirim, pela popularidade e honradez de cada um. Uma façanha realizada no tempo em que se fazia política com ética e prestígio, valorizando a liberdade de expressão, sem mágoas e sem revanchismo.
Com esse formato aconteceu a eleição de 07 de outubro de 1962, destinada ao preenchimento dos cargos do executivo e legislativo federal, estadual e municipal, com exceção do presidente e Vice-presidente da República.
Compor a biografia desses titãs, seria extrapolar os limites do tempo e do espaço traçados para o foco desse trabalho. Por isso, limitamos a dizer que ambos nasceram na próspera Água Quente, quando esta era parte integrante do território de Paramirim. Como descendentes de tradicionais famílias da freguesia do Morro do Fogo, nunca desmereceram a terra natal como homens de negócios e cidadãos de bem. Foram comerciantes, proprietários de terras, ajudaram a construir os alicerces da sociedade aguaquentense. Com base nos princípios da paz, da justiça e da prosperidade, embora com ideologias políticas diferentes os dois muito fizeram por merecer o respeito, a consideração dos seus concidadãos. De forma justa e meritória devem marcar presença na galeria dos filhos ilustres de Água Quente e Paramirim ao lado de tantos outros que lutaram pelo bem estar e desenvolvimento de seu povo hospitaleiro.
João Martins Spinola, natural do distrito de Água Quente, onde nasceu em 22 de março de 1921, era filho de Rosalvo Guimarães Spinola e América Chaves Martins, ambos descendentes de renomadas famílias do eixo Paramirim Rio de Contas. Iniciou a vida profissional como ajudante de tropeiro, após perder o pai aos 11 anos de idade. No interior de São Paulo, trabalhou na construção da estrada de ferro da linha mogiana, atuando nessa ocasião no desbravamento de várias fazendas na região de Santo Anastácio. De volta à sua terra natal, casa-se com Domitilia Anatalina Vianna (Sinhazinha), filha do tabelião Arthur Cesar de Magalhães Viana. Daí para frente passa ser tropeiro no circuito Água Quente Norte de Minas até se firmar como notável fazendeiro da região e dono do grande latifúndio denominado Engenho dos Cardosos, adquirido por sucessivas compras. No início da década de sessenta, ao lado de outros conterrâneos, encabeça o movimento emancipacionista do distrito de Água Quente, ocasião em que entra na política e se candidata a prefeito pelo Partido Republicano, apoiado por várias lideranças, dentre elas, Dona Anastácia Almeida Trindade, da pujante povoação de Barra.
Érico Cayres Cardoso, filho de Odilon Cardoso e Octacilia Cayres Cardoso (Dozinha), nasceu na vila de Água Quente em 9 de novembro de 1916. Inicia-se na vida pública aos 23 anos idade como 3° juiz distrital, cargo que lhe fora confiado pelos representantes do município. Estreia-se na política no pleito de 21 de dezembro de 1947 como candidato ao cargo de vereador pela UDN, partido liderado pelo poderoso Cel. Chiquinho, muito amigo do seu pai. Sagra-se na competição como o mais votado de todos com 169 votos, 164 dos quais obtidos nas urnas do seu distrito natal. Foi um dos primeiros proprietários de caminhão da região. Apesar de ter apenas o curso primário, como a maioria dos cidadãos letrados de sua época é escolhido para presidir a Câmara durante os quatro anos de seu mandato. Sua façanha maior aconteceu no pleito de 03 de outubro de 1950, quando se elege prefeito de Paramirim, concorrendo com José Carmelino Vieira, do PSD. Dentre os principais benefícios de sua administração nesse período destaca-se a implantação do sistema termo elétrico da sede do município, inaugurado solenemente em 22 de fevereiro de 1952. No pleito de 1954, elege-se vereador pela segunda vez, mas perde as eleições para prefeito no histórico 3 de outubro de 1958 para a coligação PSD/PR encabeçada por Flávio Barbosa. Com a emancipação de Água Quente é escolhido para ser o primeiro gestor do novo município. Atualmente tem o seu nome perpetuado numa vultosa praça de Paramirim e no topônimo de seu torrão natal. Faleceu na capital da Bahia em 10 de fevereiro de 1984 no posto de vice-prefeito de Água Quente que mais tarde virou Érico Cardoso.
Criado com território desmembrado do de Paramirim, pela Lei estadual n° 1.659, de 05 de junho de 1962, o município de Água Quente foi instalado em 7 de abril do ano seguinte, após uma disputadíssima eleição para escolha de seus primeiros governantes. Como parte integrante da Chapada Diamantina Meridional, localiza-se na micro-região Centro Sul baiano. Faz limites com Rio de Contas, Rio do Pires, Caturama, Paramirim e Livramento de Nossa Senhora. Possui uma área de 701.450 km2 e população de 10.652 habitantes, de acordo com estimativa do IBGE (2018). Pela Lei n° 4.483, de 15 de junho de 1985 teve o seu topônimo alterado para Érico Cardoso. Tem como principais atrações turísticas, a cachoeira dos balaios, o poção de águas termais e o povoado de Morro do Fogo com os rastros da mineração do ouro e sua capela duas vezes centenária.
O pleito de 7 de outubro de 1962, ocorrido em todo território nacional, teve uma salada de candidatos. Imagine um eleitor estreante ter que votar em senador, deputados, governador, prefeito e vereadores, ao mesmo tempo, escolhendo cédulas, assinando lista de votação sob o olhar severo de mesários e fiscais de partidos. No recém criado município de Água Quente, a disputa foi acirrada e o placar muito apertado. Na esfera estadual, o canidato Lomanto (Junior eleito governador da Bahia) deu um banho em Valdir Pires, mas a campeã mesmo foi a votação para senadores com 874 votos nulos, num total de 1,076 eleitores. No âmbito municipal, os nervos foram à flor da pele, 5 votos em branco e 10 nulos, Erico Cardoso 533 e João Martins Spinola 525 votos contados e recontados pela junta apuradora reunida no salão da prefeitura de Paramirim sob a presidência de Dr. Almachio Nougueira Couto, juiz da 111° Zona Eleitoral. Com a curta diferença de 8 votos, o veterano Érico Cayres Cardoso da União Democrática Nacional (UDN) venceu o estreante João Martins Spinola do PR (Partido Republicano) sagrando- se assim, o primeiro prefeito de Água Quente.
Em 7 de abril de 1963, instala-se em sessão solene a primeira Câmara Municipal de Água Quente, cuja mesa diretora ficou composta pelos vereadores: José Augusto Almeida (PR) -Presidente, Ademário Cardoso (UDN) – Vice Presidente, Olavo Trindade Lima (PR) – 1° Secretário e José Ribeiro Azevedo Sobrinho (UDN) – 2° Secretário.
Uma vez instalado o município e empossado o seu prefeito, Água Quente passa a constituir mais uma unidade administrativa do Estado da Bahia com todas as prerrogativas estabelecidas por lei. Em 1966 (03 de outubro) realiza-se o segundo pleito para escolha de seus governantes, desta feita, concorrendo o Sr. João Martins com Euripedes Ribeiro Azevedo, genro de Erico Cardoso, o qual se sagrou vencedor do pleito com 33 votos de vantagem sobre o seu concorrente. Daí para a frente, novas eleições se sucederam com a participação de novos candidatos, todos filhos da terra, com exceção do médico Miguel Gomes Tanajura, radicado no município, com vasto serviço prestado à sua população, eleito para dois mandatos (1983-1988 e 1993-1996). A partir de 1985, Água Quente, passa a chamar Érico Cardoso em homenagem ao seu ilustre filho. Hoje se encontra no décimo quinto mandato de prefeito com novas mentalidades, novos protagonistas, cada um construindo a sua história, para o real julgamento da posteridade.
Paramirim, 21de junho de 2021
Prof. Domingos
Fonte: Facebook de Domingos Belarmino.
