O primeiro padre a celebrar Missa no Morro da Santa Cruz
O morro da Santa Cruz, outrora denominado serra do Recreio e agora serra da Telebahia, devido as torres que esta empresa mantém no seu topo, tem um curioso significado nas efemérides de Paramirim, por conta de um pesado cruzeiro de madeira que nele foi assentado sob o comando paroquial do padre Joaquim Maria Vieira, em 21 de fevereiro de 1915. Um fato pouco conhecido, mas digno de ser lembrado pelos diferentes aspectos a ele associados, inclusive o religioso, para aqueles que o tomam como ponto de visitação durante as celebrações da Semana Santa.
Sob o ponto de vista geográfico, o morro da Santa Cruz, privilegiando a sua denominação antiga, faz parte de um conjunto de serras presentes no relevo de Paramirim, estendendo-se a sua ramificação como um enorme paredão rochoso no sentido norte sul, hoje considerado área de preservação ambiental, com destaque para as pinturas rupestres existentes no sitio Catuaba e algumas nascentes em vias de extinção ou de fato já extintas como efeitos das grandes estiagens que têm assolado o sertão por anos a fio. Os adendos a ele agregados por conta da ação do homem têm alterado um pouco a sua paisagem, mas em verdade, sem causar nenhum prejuízo de maior porte. Muito pelo contrário, são obras decorrentes do progresso ou dos avanços da comunicação à distância. São benefícios alcançados superando pesados desafios, frutos da engenhosidade humana, conjugada ao uso de equipamentos mecânicos e tecnológicos. Construir uma estrada no dorso de uma serra para fazer um veículo chegar a uma altura de 900 metros, nada mais é do que uma fantástica conquista, antes considerada uma utopia, sem se falar nas altas torres metálicas ali instaladas, graças as quais o vale do Paramirim recebe sinais de internet, telefone e imagens de televisão, a qualquer hora do dia ou da noite. Daí a sua importância top.
Não podemos olvidar, entretanto, o pioneirismo do Pe. Joaquim Maria Vieira a quem se deve a celebração da primeira missa campal realizada no topo da serra do Recreio, no ato de instalação de um santo cruzeiro ali fincado na manhã de 21 de fevereiro do mencionado ano, como muito bem se acha escrito na ata lavrada para registrar o inédito acontecimento. Um evento do qual participaram mais de duas mil pessoas arrastadas pelo desejo de estarem presentes num ato extremamente religioso, presidido por um dinâmico representante da igreja ou então pela curiosidade de escalar um monte nas primeiras horas de um prazeroso domingo e do seu cume apreciar o deslumbre de um verdejante baixio a se perder de vista.
Quem sabe também a síntese de uma predisposição construída pelo desejo de participar, compartilhar e interagir com amigos, familiares e vizinhos de um fato marcado por um rosário de resenhas para se contar pelo resto da vida e não correr o risco de ficar de fora do seu protagonismo. Tudo isso, junto, unido e misturado, fez do assentamento do cruzeiro do Morro da Santa Cruz e da celebração de sua Santa Missa a maior concentração religiosa da paroquia de Santo Antônio, até então realizada.
Aos Vinte e Hum dias do mês de fevereiro, do Ano de Mil Novecentos e Quinze, ás quatro horas da manhã, o Vigário desta freguesia, o padre Joaquim Maria Vieira, acompanhado de muitos de seus paroquianos de ambos os sexos que a convite se reuniram junto ao cruzeiro da Igreja Matriz desta Freguesia de Santo Antônio de Paramirim, a fim de acompanhar e levantar no Morro o Santo Cruzeiro. Estando todos de joelhos, juntos ao pé do mencionado Cruzeiro, á frente da porta principal desta igreja Matriz pelo Reverendíssimo Vigário foi levantado por três vezes, o Senhor Deus Misericordioso a que todo o povo respondeu. Em seguida se fez em marcha o cortejo, em direção do morro aludido, indo na frente a Cruz Paroquial, ao lado a campainha que a todo momento tangia chamando o povo atrás do cruzeiro que ia ser colocado no Morro seguido do Vigário e de todo o povo que sempre houve a maior ordem de devoções. Pelas nove horas da manhã, no meio talvez de duas mil pessoas foi levantado o Santo Cruzeiro no alto do Morro onde nessa ocasião se achavam as pessoas gradas deste Arraial. Foi bento o Santo Cruzeiro, sendo queimados muitos bombãos; em seguida celebrou-se a Santa Missa; o Reverendíssimo Vigário pôs ao referido morro o nome de Morro da Santa Cruz. Todo o povo desceu na melhor ordem e sem o menor incidente desagradável e se reunindo no Recreio se pôs em marcha levando cada pessoa uma pedra na cabeça, como penitencia, sendo louvado durante a descida do Morro da Santa Cruz benditos ao Santíssimo Sacramento da Paixão de Jesus, e assim entrou todo o povo no Arraial pelo Meio Dia em ponto, ajoelhando-se novamente, juntos ao Cruzeiro da Matriz, onde mais uma vez o reverendo Vigário tirou o Senhor Deus Misericordioso. E para perpétua memória se lavrou este ato que vai ser assinado por todas pessoas que o queiram assignar. Morro da Santa Cruz, 21 de fevereiro de 1915.
Signatários da ata do evento realizado no Morro da Santa Cruz na ocasião do assentamento do seu Santo Cruzeiro: Joaquim Maria Vieira, Job Marques Leão, Urbino Tunes, Antônio Joaquim Louzada, Ciro Alves Bittencourt, Ludugerio Ramos dos Santos, Agenor Magalhães Vieira, Nelson Cayres de Britto, Luis Meira Bonfim, Julindo Azevedo , Josefina Vieira, Maria Alves de Brito Sousa, Anna Cândida dos Santos, Cassiana Maria da Conceição, Anna Maria de Jesus, Merana Maria de Jesus, Maria Rosa Alves, Vitalina Maria da Silva, Clarinda Martins Cayres, Carolina de Castro Cruz, Verônica Maria de Jesus, Geolinda Maria Cayres, Maria Cayres de Britto, Angelica Trindade, Leopoldina Maria de Assunção, Benedita Rosa de Jesus e Elisa Leão Barbosa.
Depois do pe. Joaquim Maria Vieira, vários outros sacerdotes dirigiram a Paróquia de Santo Antônio, cada um com a sua desenvoltura. Várias outras missas foram celebradas no Morro da Santa Cruz, a última delas aconteceu na manhã de domingo, 22 de fevereiro de 2015, para se comemorar o primeiro Centenário do extraordinário feito realizado pelo Pe. Zé Maria no distante ano de 1915. O evento foi planejado e realizado pelo prof Domingos Belarmino da Silva e um grupo de amigos com a participação de vários segmentos da sociedade local. A cerimônia religiosa ficou por conta do Pe. Pedro Olimpio dos Santos, então vigário da Paróquia, que sem medir o sacrifício do deslocamento, celebrou a missa comemorativa tecendo importantes comentários sobre o significado da cruz como símbolo da martirológia de Cristo, o filho de Deus.
Sobre o Pe. Joaquim Maria Vieira, de origem portuguesa, temos uma vasta história a descrever em outro momento mais oportuno. Adiantamos, entretanto, que foi no passado um dos sacerdotes mais dinâmico da Paróquia de Paramirim. Projetou e construiu a atual igreja matriz de Santo Antônio, entre 1914 e 1917, fundou o Apostolado da Oração e realizou a inédita escalada do Morro da Santa Cruz, mas teve a desdita de ser assassinado no distrito de São José dos Paulistas, na época comarca de Serro, Minas Gerais, em 16 de julho de 1923, oito anos depois de ter realizado a inédita celebração da primeira missa campal no Morro da Santa Cruz. Aqui deixamos estampada a nossa homenagem póstuma à sua pessoa pela brilhante obra sacerdotal por ele perenizada na paróquia de nosso padroeiro, no período em que a humanidade se contorcia antes os horrores da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Paramirim, 5 de agosto de 2021
Prof. Domingos
Fonte: Facebook de Domingos Belarmino.
