Tornar-se milionário, apostando na Loteria Federal, na Esportiva, na Quina ou na Mega Sena, até mesmo na Telemania, faz parte dos sonhos de muita gente. Enriquecer-se, de uma noite para o dia, de forma lícita, não é impossível, basta ter muita sorte e acima de tudo fazer uma fezinha em jogos que ofereçam grandes prêmios. Não, esquecer, entretanto, que o jogo de azar e as corridas de cavalo têm quebrado muitos afortunados e deixado o pobre cada vez mais pobre. Como dizia o mestre Castro Alves, a sorte dá, nega e tira. Além do mais, o jogo alimenta a ociosidade, o vício e a violência, quando tomado como alternativa de sobrevivência, por isso, muitas vezes é considerado contravenção, se realizado aos arrepios da lei. Em compensação, existe também o lado lúdico, que inspira a diversão, o prazer e a recreação do espirito. Quando visto por esse ângulo, tudo vale a pena se a alma não for pequena.
Atualmente, existem no Brasil vários tipos de loterias, cada uma delas com seus atrativos e simpatizantes. Com a criação da loteria esportiva em 1970, muda-se a cultura do brasileiro. Motivado pelo desejo de ficar rico, o brasileiro incorpora mais um hábito no seu dia a dia, as vezes com pesadas consequências. No cenário esportivo, surge a figura da zebra como símbolo do contraditório e do inesperado, os sofisticados bolões entre amigos virualizam em todas pontas de ruas e a famosa expressão como ganhar na loteria sem perder a esportiva chega às telas do cinema, elencado por Costinha e outros humoristas.
Na década de oitenta, a grande novidade foi a sena, uma modalidade baseada no sorteio de seis números pela Caixa Econômica Federal, com chances de premiar as dezenas anterior e posterior à principal.
Com essa novidade, aumentam-se as chances ou as probidades do dormir pobre e acordar rico, mas que na verdade não deixa de ser mais uma sangria no bolso do brasileiro. A mais recente delas foi a criação do Dia da Sorte, em 2018, e a próxima, certamente já se acha a caminho nos cálculos do governo. Quem viver verá.
Em Paramirim, a febre das loterias não ficou por menos. Os cambistas recolhiam as apostas, levavam para a Caixa Econômica de Livramento e retornavam com os cartões perfurados. Os boiões passavam de mão em mão e aos domingos todo mundo corria para o pé do rádio ou da Tv para ouvir o tradicional TIRIRI do globo e o anúncio final dos resultados, quase sempre no Jornal Nacional, declamado por Cid Moreira, orquestrado pela vozinha da zebra “Olha eu aqui”. Se por incompetência ou por azar, a verdade é que os apostadores da paróquia de Santo Antônio não “encontravam o caminho da mina, como se diz na gíria popular. Ninguém acertava os 13 pontos ou quando assim o fazia o prêmio era dividido para milhares de acertadores, tocando uma ninharia para cada contemplado. Com a criação da casa lotérica em Paramirim, a operacionalização das apostas passou a ser a nível local, eliminando-se a intermediação dos cambistas. O grande boom da cidade chegou com sena e o grande felizardo dessa modalidade foi o senhor João Menezes Xavier. Com apenas 16 cruzados faturou uma fortuna.
João Menezes Xavier, mais conhecido por Xavier, filho de Pedro Xavier da Silva e de Adélia Menezes Xavier, nasceu por volta de 1930, no município de Igaporã, quando este ainda era denominado de Bonito, próximo a Riacho de Santana, Bahia. Seu pai se destacou na década de quarenta como empreiteiro na abertura da Rodovia Caetité Bom Jesus da Lapa e o filho chegou a Paramirim, provavelmente no início dos anos cinquenta. como proprietário de caminhão, época em que conheceu a professora Clemência Bittencourt Xavier (Dona Tutu), filha dos fazendeiros Joaquim José da Cruz (Quincas Cruz) e Ana Rita Bittencourt Cruz, com quem procriou a filha Yolete Bittencourt Xavier, formada em medicina.
Após passar uma boa temporada fora, para tratamento de saúde, Xavier retorna a Paramirim, onde compra de Miguelziho Tunes o único bar até então existente na praça Santo Antônio, tradicionalmente conhecido pela sua geladeira a querosene e sua mesa de bilhar, um ponto de encontro de inveterados jogadores, frequentado pela elite da cidade, sem a presença feminina, dado aos preconceitos da época.
No final da década de setenta, já aposentado, Xavier passa a trabalhar como fiscal da Prefeitura de Paramirim no setor da limpeza pública, no decorrer das administrações de José Barbosa Leão e Durval Marques Leão, isto entre 1976 e 1988. Muito popular, torna-se conhecido no interior do município pelas relações de amizade que cultivou e pelo zelo do trabalho que prestava. Como bom brasileiro, gostava de futebol, do jogo de snooker, sem nunca esquecer uma cartinha do pouker, do pif e do buraco. Com a chegada da esportiva e da Sena, trocou o baralho pelas cartelas, fazendo continuadamente a sua fezinha para arriscar a sorte, como faria se ainda hoje estivesse vivo. Como reza um velho conhecido, “o dinheirinho da fé é sagrado”.
Após ter cravado o seu palpite na Scorpius, (primeira casa lotérica de Paramirim), Xavier aguardou o resultado sem dar conta de que a sorte já estava a caminho para proclama-lo um novo milionário. Dito e feito, no dia 21 de março de 1988, data do sorteio do concurso (teste) n° 3 da Loto II, seu cartão foi premiado (bilhete n° 1.339) por ter acertado as dezenas anteriores da sena principal. proclamando-se dono de uma bolada que pacificamente o aguardava na Caixa Econômica Federal. Nada mais, nada menos que
19.550.741,75 (Dezenove milhões, quinhentos e cinquenta mil, setecentos e quarenta e um cruzados e setenta e cinco centavos) a serem divididos com um segundo ganhador do mesmo concurso. Estava profetizada a sorte dá, lembrando o poeta dos escravos.
Dessa forma, fica registrado um pouco da história das loterias em Paramirim e a saga do seu primeiro grande felizardo. Sem nenhuma dúvida, o Sr. João Menezes Xavier fez por merecer o prêmio conquistado porque arriscou e acertou os números sorteados de acordo com a cartilha da Caixa Econômica Federal. Quem não arrisca, não petisca. Lamentamos dizer, entretanto, que os cruzados auferidos por Xavier em nada serviu à população local. Com a dinheirama em conta, o novo milionário transferiu sua residência para Ilhéus, litoral baiano, talvez para melhor desfrutar dos dólares faturados. Mesmo assim, a sua passagem pela terra do Rio Pequeno jamais será esquecida, até porque ninguém lhe toma a honra e a sorte, a glória e o direito de ser historiado como o primeiro grande ganhador da Lotus II de Paramirim com as dezenas 02-07-14-17-21-31, aqui mencionadas para servir de palpite para quem quiser continuar aventurando, como fez nosso distinto protagonista.
Paramirim, 19 de julho de 2021
Prof. Domingos
Fonte: Facebook de Domingos Belarmino.