Embora em contínuo desaparecimento, os cruzeiros ainda fazem parte do cenário do interior. Estão colocados à beira dos caminhos, nas praças, nos cemitérios, no alto dos montes, perto das povoações, nas encruzilhadas, no adro das igrejas, nos mais inusitados lugares. Raramente se sabe o seu significado ou a razão de ali estar fincado. Seja para pagar uma promessa, por um voto alcançado, seja para afugentar alguma maldição de ordem sobrenatural, o mistério continua. A verdade é que as pesadas cruzes de madeiras que pontuam a paisagem sertaneja têm sempre uma história relacionada com um triste acontecimento ou uma dramática situação, uma história recheada de superstições ou de profunda devoção, na mais das vezes desconhecida.
Na cidade de Paramirim e nos seus arredores, o cenário não é diferente. Vários cruzeiros pontilharam e continuam pontilhando o seu relevo, alguns incólumes outros desgastados pelo tempo. Contá-los, seria quase impossível. Muitos já se foram carregados de janeiros levando consigo as crendices geradas no entorno de cada um. Os poucos que sobreviveram às intempéries e aos descasos estão por ai solitários como sempre deixando transparecer aquilo que os olhos não veem mas a alma sente. Já não são mais venerados como outrora. Servem apenas como ponto de referência na paisagem. Mesmo assim, continuam com os seus mistérios.
Os cruzeiros erguidos ou fincados no adro das igrejas católicas têm por fim marcar o território paroquial. O seu entorno é por tradição considerado santificado. Tanto é que é costume antigo fazer o sinal da cruz ou benzer o corpo quando se passa à sua frente. As pessoas ajoelham-se, fazem orações, colocam flores, outras, quando tomadas pela fé, derramam lágrimas, buscando lenitivos para seus sofrimentos. Como símbolo da martirológica de Cristo, a cruz tem um forte significado religioso para os cristãos. Razão pela qual está presente em todas as cerimônia católicas, devendo assim ser respeitada como tal.
Conforme se vê, todos os templos católicos de Paramirim, com exceção da capela Coração de Jesus, têm um solitário cruzeiro erguido à sua frente. Alguns já foram substituídos pela segunda ou terceira vez, como é o caso do exemplar fincado em frente à Igreja matriz de Santo Antônio, padroeiro do município. O atual foi erguido em 01 de maio de 2017 para substituir o velho e pesado cruzeiro ali postado em 31 de maio de 1917, que por sua vez, foi substituto de uma peça mais antiga, provavelmente dos primeiros decênios da capela do Arraial construída pelo Capitão Antônio Ribeiro de Magalhães no começo do século XIX.
Cumpre-se registrar que o primeiro cruzeiro da matriz de Santo Antônio, o mais antigo dos que no seu adro foram fincados, quis o destino que o mesmo fosse aproveitado para marcar o chão sagrado de uma outra capela. Quando em 1917, último dia de maio, foi retirado do seu leito original, a centenária cruz de Santo Antônio foi religiosamente conduzida pelo Sr. Francisco Pereira da Costa, vulgo Chico de Abraão, para servir de marco fundamental de uma nova capela por ele pretendida, dedicada ao santo do seu nome, a ser erguida no mesmo local onde hoje se acha postado o cruzeiro de São Francisco, como um símbolo de resistência às intempéries do tempo e uma marca da religiosidade do povo de Paramirim.
O cruzeiro de São Francisco, localizado no bairro do mesmo nome, alto da Beira Lagoa, transladado do adro da igreja de Santo Antônio, encabeça a lista dos cruzeiros existentes na cidade de Paramirim, como o primeiro da capela de Santo Antônio e o mais antigo de todos. Na sua base, a prefeitura municipal, no pleito de justíssima lembrança perenizou os seguintes dizeres: ” O cruzeiro de São Francisco é aquele que ergueu-se imponente defronte à CAPELA DE SANTO ANTONIO pelas mãos dos escravos do CAPITÃO ANTONIO RIBEIRO, para aqui foi trazido pelo MONSENHOR MANFREDO ALVES DE LIMA a pedido de Francisco de Abraão em 1917, onde mais tarde seria construída a CAPELA DO SANTO DE ASSIS. Paramirim, 05 de agosto de 2001.”
Não se sabe ao certo quantos cruzeiros religiosos ou não já foram erguidos no território de Paramirim. E quantos ainda continuam de pé. Diante das grandes mudanças que a todo momento ocorrem na sociedade se passando como um rolo compressor sobre os velhos costumes do sertão, certamente não acontecerá essa renovação no médio nem a longo prazo. As tradições estão em contagem regressiva e os que teimam em mantê-las parecem viajar na contramão do progresso, na opinião dos modernistas. Não faz mal, tudo tem sua razão de ser. O pensar e o agir mudam-se com o tempo, nem mesmo os cruzeiros. As rústicas peças de madeiras aparelhadas manualmente também têm o seu tempo de vida. Depois de fincados, exercem o seu papel de vigilantes mostrando a sua perseverança até se sentirem enfraquecidos pelo peso dos janeiros. Ai se vão, ficando apenas as lembranças remoídas por velhos saudosistas. Com esse fadário, o cruzeiro de São Francisco, continua a sua trajetória ostentando-se o privilégio de ter sido o primeiro cruzeiro do padroeiro Santo Antônio aos pés do qual sucessivas gerações ora batearam as suas mágoas.
Paramirim, 05 de março de 2021
Prof. Domingos
Fonte: Facebook de Domingos Belarmino.