
O casamento civil na forma como tradicionalmente se conhece foi instituído no Brasil pelo Decreto presidencial n° 181, de 24 de janeiro de 1890, antes mesmo de ser publicada a Constituição Federal de 1891. Foi assinado pelo Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório e seus assessores Manoel Ferraz de Campos Sales, Ruy Barbosa, Benjamim Constant e outros, após se ouvir o Conselho de Ministros. Dentre as formalidades preliminares estabelecidas no artigo primeiro desse decreto está a apresentação obrigatória de documentos comprobatórios da idade de cada pretendente, autorização de quem direito, para menores de 16 anos, e certidão de óbito para quem se declarasse estado de viuvez por falecimento da esposa ou do esposo. Até então só existia o casamento religioso ou eclesiástico através do qual o vínculo matrimonial com o fim de constituir família era indissolúvel.
Mal a República havia se estabelecido, o governo provisório, quase que nas barbas do Imperador D. Pedro II, põe em prática as mudanças pregadas pelo novo sistema, rompendo-se assim com velhos costumes da sociedade, dentre eles as formalidades existentes na celebração do casamento.
Daí para frente, o contrato entre duas pessoas que desejam se casar passou por profundas transformações acompanhando a evolução da sociedade brasileira. A primeira delas, talvez a mais polêmica, foi a possibilidade de dissolver o contrato. Se, no casamento religioso, a família é indissolúvel e serve para fins reprodutivos, para o civil, o casamento acontece por amor entre duas pessoas. E esse amor pode acabar. O desquite chegou em 1916 e o divórcio em 1977. A Constituição de 1988 oficializou a união estável entre o homem e a mulher e em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconhece a união estável homoafetiva. Com tudo isso, em muitos ainda prevalece o princípio” o que Deus une por amor o homem não separa “.
Augusto José da Trindade, filho legítimo de Martiniano José da Trindade e de Fortunata Maria de Jesus, nasceu no Distrito de Paz do Morro do Fogo no ano de 1862, época em que a povoação de Água Quente era uma simples fazenda, pertencente ao Cel. Liberato José da Silva. Bem mais tarde, passou a residir em Paramirim, onde faleceu no início da década de quarenta com 80 anos de idade, sem deixar filhos. Trabalhou com vários juízes e pretores, dentre eles, Dr. Álvaro Gustavo da Costa Lage, único magistrado falecido no solo de Paramirim, até hoje. Por decreto de 13 de janeiro de 1889, foi nomeado para o posto de Alferes da 3° Companhia do 52° batalhão de infantaria do Estado-maior da guarda nacional da comarca de Minas do Rio de Contas, sendo promovido a Tenente-secretário do 54° batalhão por decreto de 18 de outubro de 1900, conforme se encontra publicado no Diário Oficial da União de 21 de janeiro de 1899 e 23 de outubro de 1900, respectivamente.
Reservamo-nos o direito de dizer que Augusto José da Trindade, ao lado de Arthur César de Magalhães Viana, Joao José de Oliveira Doutor, Miguel Rodrigues da Silva, José Cardoso de Sousa Primo e João Evangelista Marques, encabeça a lista dos primeiros servidores do termo de Água Quente, criado por ato estadual de 3 de agosto de 1892, dois anos após a criação da vila desse mesmo nome. Cabe-nos, também, a obrigação de menciona-los como paladinos de uma sociedade em formação, fazendo o que lhes competiam ou deveriam fazer, circunstanciados pelas limitações da época, a cultura dominante e a escolaridade de cada um. Mesmo assim, ajudaram a assentar as bases do direito e da justiça no seio de uma povoação humilde, pacifica e laboriosa, mas ainda sofrendo na pele os resquícios da desigualdade social herdados do modelo colonizatório pautado na exploração do homem pelo próprio homem. Coube-lhes, como representantes da lei, registrar no exercício de suas funções os fatos de cada momento com a pena da clareza e da simplicidade, por certo, sem saber que estavam construindo histórias nos seus mínimos detalhes. Por conta disso, a todos os protagonistas dessa saga as nossas sinceras homenagens póstumas.
A segunda referência do seu nome como Escrivão do Juiz, depois da instalação do termo, aparece na Audiência Crime realizada em 10 de novembro de 1892, tendo como juiz preparador Dr. Pio Alves Boaventura e como porteiro o Sr. João Evangelista Marques. Neste cargo, Seu Augusto Trindade, como era mais conhecido, trabalhou por 47 anos a fio, sendo citado pela última vez na Audiência de 2 de julho de 1939. Afastou-se do mesmo por motivo de saúde e avançada idade, recebendo em função disso o amparo estabelecido no Art. 401, da Lei n° 2.225, de 14 de abril de 1929. Foi substituído pelo Sr Lauro Vieira por decreto de 15 de abril de 1939, publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia de 18 do mesmo mês e ano. Além de Escrivão dos feitos cíveis e criminais dos termos de Água Quente e Paramirim ocupou interinamente outros cargos, revelando-se em todos eles o cumprimento fiel de suas obrigações, sem dolo nem malicia, ódio ou afeição, conforme prescreviam os termos de compromissos firmados antigamente.
Casou-se civilmente em 12 de junho de 1894, na então Vila de Água Quente, com a jovem Angélica Rosa de Assumpção, filha legitima de Roberto de Souza e Silva e Dona Tiburtina Maria de Assumpção, sendo testemunhas do ato solene o Coronel Liberarto José da Silva e o Dr. Pio Alves Boaventura, a noiva com 15 anos e ele com 32. Foi o primeiro registro de casamento civil realizado no Termo de Água Quente antes deste ser transferido para o arraial de Paramirim. Depois de casada a sua esposa passou a assinar Angelica Trindade.
A cerimônia foi celebrada pelo Juiz de Paz Juvêncio Cardoso de Souza, assistido pelo escrivão ad hoc, nomeado e juramentado, José Olimpio da Silva Mendes, a uma hora da tarde, na residência do pai da nubente, seguindo-se as formalidades estabelecidas no decreto de 24 de janeiro de 1890. Tudo isso registrado sob o número 1, na página 1 do livro 1, ainda hoje existente no cartório civil de Água Quente, remanescente do antigo Distrito de Paz do Morro do Fogo.
Para perenizar a sua memória, uma sala do Fórum Desembargador Dr. Arnaldo de Almeida Alcântara, sede da comarca de Paramirim, onde funciona o Cartório dos Feitos Cíveis, tem a denominação de Sala Augusto José da Trindade, uma homenagem merecida á sua pessoa, diga se de passagem.
Seu nome também se acha lembrado no importante logradouro do bairro Lagoa das Passagem, na sede do município, ao lado de outros contemporâneos seus, a exemplo do Sr. Arthur César de Magalhães Vianna, do qual foi colega desde os tempos em que a sede do termo era na Vila de Água Quente.
Paramirim, 08 de julho de 2021
Prof. Domingos
Fonte: Facebook de Domingos Belarmino.