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Meu amanhecer foi deste jeito
Nestes dias anormais da nossa existência aqui na Terra, não que outros tempos estranhos não tenham abatidos sobre nosso Globo, e foram bem piores do que o que estamos passando. Estudar a história e ver os horrores da Segunda Grande Guerra Mundial, cidades devastadas, milhões de pessoas mortas, sonhos perdidos e pesadelos infernais vividos na pele. A história está aí sempre a nos ensinar que a natureza humana vive sobre conflitos e interesses o tempo inteiro. Para todos os que nascem sobre o olhar complacente do rei Sol, algumas certezas já padecem mesmo sem ter conhecimento de causa. O sofrimento, a dor e a morte são atributos inerentes à vida de cada indivíduo.
Acordei de uma boa noite de sono. Nestas manhãs, acordo sempre preocupado com as notícias e os acontecimentos que poderão vir a acontecer. Pensamos logo no pior, uma fraqueza da nossa mente é olhar para o lado ruim como uma montanha enorme. Poderíamos olhar para os pontos positivos e o nosso dia seria bem melhor, mas tento mostrar a minha razão e ela insiste em me desobedecer. Neste conflito me desperto, escovo os dentes, penteio os cabelos e saio à rua para esperar o vendedor de pães.
O sol fresquinho me leva a sentar no passeio e esperar. Quanto tempo não faço isso? Lembro-me bem do tempo em que eu era aluno e tinha que levantar cedo para ir ao colégio. Antes de ir à sala de aula ficávamos muitos a conversar sobre a luz gostosa do Sol. Meus colegas se esparramaram pelo mundo, poucos, bem poucos ainda tenho contato. O rio leva as coisas e traz outras. Por um momento sentir saudade daqueles anos dourados. O que eu fiz da vida? Depois de ter caminhado tanto, aqui estou eu vendo o que a vida fez de mim. Sou apenas um raio de sol que brilha bem menos do que o menor raio do sol que já existiu no Sistema Solar.
Espero o homem dos pães chegar e ele insiste em não aparecer. A rua está quieta, de vez enquanto alguém passa em busca de sabe lá qual objetivo. Alguns canarinhos cortam o céu voando e cantando. Como catam bonito. Volto-me a infância e lembro-me bem dos encantos que a natureza me alegrava. Sinto cheiros de mato, ouço o canto dos pássaros, vejo a flor se desabrochar, vislumbro saboreando uma melancia na roça. Com um pequeno graveto faço risco no chão. Quantos riscos já fiz no chão quando criança? Vivia a fazer riscos. Adorava mastigar o talo do capim, era doce. O que um lindo amanhecer não é capaz de fazer em nossa vida? O mundo poderia parar ali e se eternizar.
Mas de repente um rapaz chega montado em uma bicicleta e estaciona para dialogar comigo. Está assustado com as novidades dos dias atuais, tem medo, pavor. Fala de Deus, de Jesus, fala dos milagres. Suas ideias são desconexas. Apenas o escuto. Sinto-me que ele precisa desabafar. No desenrolar da conversa ele tira um cigarro e traga. Diz que a doença afeta mais os fumantes. Contudo, o vício o domina e vence o medo da morte fumando. Carregava na mão um saco com alguns pães, disse que iria trabalhar em uma fazenda. Percebo que nossas conversas são quase todas vazias de sentidos e significados. Assuntos tratados friamente, muitas banalidades, bobagens que se perdem no ar assim que acabam de ser proferidas. O vendedor de pães aponta na rua a frente e toca sua buzina. Fui a busca do pão e ele foi em busca do pão de cada dia.
De onde eu estava até o local onde o vendedor de pães com o seu carrinho e a sua buzina estava deve dá uns cem metros, pavimentação de pedras, algumas árvores pela redondeza. Neste caminho encontrei primeiro um cão negro, olhou para mim, mostrou suas presas como em um sorriso e seguiu seu destino. Em um muro dois gatos estavam sonolentos, um longe do outro. Vi tudo isso e sei que muitas coisas eu não percebi neste pequeno espaço, sei que outras coisas aconteceram, pena que os olhos não conseguem captar tudo ao mesmo tempo. Dentro das residências há muitas pessoas, outros mundos, outras mentes.
Cheguei enfim ao vendedor de pães com seu carrinho e a sua buzina. Dois reais eu troquei a troco de quatro pães de sal e um de doce. Neste momento percebi que meu trabalho comprava o trabalho dele. Levantei cedo, todavia mais cedo o vendedor de pães levantou. Neste mundo não há ninguém melhor do que o outro. Para quem se acha superior é porque não parou para raciocinar que a sociedade é apenas uma ilusão para entreter os nossos sentidos, para dá sentido ao que não existe sentido.
O vendedor de pães seguiu seu itinerário soprando a sua buzina. Retornei para o meu lar. Ainda parei para sentir os raios solares, raios que deixaram o sol há alguns minutos somente para tocar minha face e dizer que Deus existe e sempre existiu. É o poder supremo a fazer girar a corda central de sustentação de toda a vida. Para completar minha paz, o vento de leve roçou minha face mostrando-me que Deus se expressa nas coisas simples. Começar um dia assim é começar com o pé direito. Tudo isso só foi possível porque preferi olhar os pontos positivos. Com tudo isso, poderia eu ter me cegado com as loucuras sociais e me ter lançado a algo desagradável. A felicidade dependeu apenas de mim, escolhi ser feliz, e fui. Sei que nem sempre conseguiremos a felicidade, mas são poucas as ocasiões, uma doença, uma perda de um ente querido, no demais somos donos do nosso destino. Basta olhar atentamente e verá a mão invisível de Deus a tocar em tudo e em todos.
Texto: Luiz Carlos Marques Cardoso.
