No projeto de lei apresentado pelo Cônego João Paranhos da Silva à Assembleia Provincial da Bahia, em 7 de março de 1877, para criação da Industrial Vila de Agua Quente, dentre as razões por ele alegadas, figuravam-se as dificuldades que a população da freguesia de Nossa Senhora do Carmo do Morro do Fogo enfrentavam para chegar à sede do termo em virtude das características do relevo e da distância para a vila de Minas do Rio Contas, naquela época sede do termo.
Assim se expressou o cônego na sua esplêndida justificativa: “Se bem que ella não diste da séde do termo mais do que dez léguas, todavia sua população, cada vez mais crescente, a uberdade de seu território, na maior parte banhado pelo pitoresco rio Paramirim, sua grande lavoura e produção, reclamam também este benefício à semelhança de outros lugares, que em idênticas circunstâncias o tem obtido com justiça.
De mais, senhores, as dez léguas que separam essa freguesia da séde do termo, equivalem talvez as trinta, que o meu nobre collega de destricto referiu em relação ao projecto, que apresentou, porque as dificuldades, com que lutamos para vencer essas dez léguas são tantas, que só podem avalia-las aqueles que as têm encarado. As perigosas passagens de rios, que no tempo seco com dificuldades se traspõe, no tempo das águas tornam-se quase impossíveis, tanto pela correnteza e alturas delas, como pela suas empedradas passagens, tendo-se de atravessar um mesmo rio onze vezes na distância de uma légua, é que somente as necessidades imperiosas da vida forçarão a que se aventure e supere tão arriscado passo. “
Essa realidade, agravada por ocasião das grandes cheias do Rio Paramirim, perdurou por muito tempo. Em nenhum trecho dos cursos de água havia pontes e o meio de transporte mais comum era o animal de carga e de montaria, os quais, muitas vezes, tinham que atravessar os rios a nado em penosas viagens. Era também comum o uso do tachos de fazer rapadura como meio de locomoção de uma margem para a outra de um rio, durante uma enchente. Duas cordas fixadas numa árvore a cada margem ajudavam fazer a travessia. Do contrário, tinha que esperar as águas baixarem. Em casos de enterro ou doença, a situação era mais complicada.
A primeira ponte construída sobre o Rio Paramirim tem uma história incomum. Construída, segundo se conta, pelo Cônego Joaquim Augusto Vieira, provavelmente no final do século XIX, época em que o antigo arraial do Ribeiro começara a receber os seus primeiros benefícios, teve curta duração. A ponte do padre Augusto, como era chamada, foi desmoronada por uma violenta enchente do Rio Paramirim, em 1906, não se sabe a hora, o dia nem o mês desse histórico acontecimento. Na literatura oral, ficaram apenas os versos do poeta Cassimirinho cantados e recantados pelos violeiros da época. ” As taboinhas vão descendo / muito alegre e bem contentes / Dando adeus ao arraial / e ao povo de Água Quente / 0 inverno não importou / que seu Leopoldo era intendente ”
Como rastro desse episódio, ainda existem, até hoje, ao lado esquerdo do rio, a se contrastar com as obras do moderno balneário, as ruinas de uma de suas pilastra construída com alvenaria, tendo como argamassa apenas areia e cal, untadas com azeite de mamona, mas com resistência suficiente para suportar as intempéries da natureza. Em sinal de respeito à sua preservação, o rio mudou o seu curso. Por conta desse fato, na história local, o ano de 1906 é lembrado como o ano em que a ponte foi embora, dando adeus ao arraial (Paramirim) e ao povo de Água Quente, nas poéticas palavras do cordelista Cassimirinho do Cipó
Em 1906, era intendente de Paramirim o Cel. Leopoldo de Souza Leão, muito respeitado e querido pelos seus dotes intelectuais e morais. Possuía uma farmácia e sabia receitar alguns medicamentos, baseado nas experiências adquiridas de seu pai, Dr. José Bernardino de Souza Leão, falecido em 1904. O arraial de Paramirim possuía poucos habitantes e o município chamava-se Agua Quente. À frente do Conselho Municipal (hoje, Câmara de Vereadores) estavam os cidadãos Ermano Ribeiro de Azevedo, Raimundo da Silva Vieira, Alfredo Louzada, Elpidio Ribeiro de Magalhaes, Manoel do Bonfim e Souza, Francisco de Almeida Pina e Martiniano Ribeiro de Magalhães, eleitos no pleito de 08 de novembro de 1903 e o dinâmico Pe. Joaquim Augusto Vieira dirigia a paróquia de Santo Antônio. Tudo parecia correr bem, não fossem os prejuízos da enchente e os entraves das rusgas políticas dos anos subsequentes.
A enchente dec1906, provavelmente ocorrida em fevereiro ou março, não respeitou o Cel. Leopoldo, como Intendente, nem o Pe. Augusto como vigário. Construída que fora por este sacerdote, a armação de madeira sobre as pilastras de pedras não resistiu. Com o impacto das águas foi-se embora, deixando um grande vazio no leito do rio. Ao ser fustigada pela fúria das águas, sua estrutura deu três gemidos e desapareceu para sempre na correnteza, deixando o velho Zeca Lopes sem vizinho. Sua substituta só veio aparecer 48 anos depois, no sitio Arraial de Baixo, batizada merecidamente com o nome de ponte Leopoldo Leão, uma homenagem da Câmara de Vereadores ao ilustre Intendente de 1906.
Paramirim, 30 de maio de 2021
Prof. Domingos
Fonte: Facebook de Domingos Belarmino.