Nos pequenos povoados ou cidades, onde as casas ficam nas ruas escuras ou perto das igrejas há a aparição da mula-sem-cabeça. Também se alguém passar correndo diante de uma cruz á meia noite a danada aparece. Dizem que é uma mulher que namorou um padre e foi amaldiçoada. Toda passagem de quinta para sexta-feira ela vai numa encruzilhada e ali se transforma na mula-sem-cabeça. Então sai a percorrer sete povoados, ao longo daquela noite, e se encontrar alguém chupa seus olhos, unha-se dedos. Apesar do nome mula-sem-cabeça, na verdade, de acordo com quem já a viu, ela aparece como um animal inteiro, forte, lançando fogo pelas ventas e boca, onde tem freios de ferro. Nas noites sai, ouve-se o seu galope, acompanhado de longos relinchos. Ás vezes parece chorar como se fosse uma pessoa. Ao ver a mula, deve-se deitar no chão e esconder o rosto para não ser atacado. Se alguém com muita coragem tirar os freios de sua boca, o encanto será desfeito e a mula-sem-cabeça voltará a ser gente, ficando livre da maldição que a castiga, para sempre. Pelo sim ou pelo não, quando chega a Quaresma ninguém caça passarinho, não faz mala a ninguém, com medo da punição. No meu tempo de garoto eu ficava durante os quarenta dias da Quaresma sem fazer muitas coisas. Dentre elas as brincadeiras durante a noite, no decorrer desse tempo as brincadeiras era esquecidas, mesmo os filmes no Canecão. Ficávamos todos recolhidos dentro de casa durante a noite, morrendo de medo, lembro-me quando Papai falava: “Vai pra rua moleque que a mula-sem-cabeça irá te pegar”, assombrado eu corria para o quarto e embrulhava dos pés a cabeça, tremendo feito vara verde. Naquele tempo tinha muitos animais, os cavalos e as éguas iam beber água na lagoa a noite toda, descia o corredor para ir matar a sede fazendo barulho, era a gota d’água que faltava para a gente assombrar. Moral da historia, ficávamos quarenta dias confinados sem sair à noite, sem brincadeiras. Olhando pelo lado bom, tem um ponto positivo, a Quaresma era guardada com muito respeito, coisa que já não se vê mais; as pessoas trabalham até na Sexta-feira Santa, e o pior, comem carne vermelha…
Raimundo Sucupira (O Poeta de Paramirim)