– Ô, de casa! Ô, de casa! – alguém grita na porta de entrada da residência de José.
– Quem será a esta hora? – indaga José. – Não posso nem mais assistir meu jornal tranquilo que vem gente me aperrear. Quem é?
– Sou eu.
– Eu quem, diabo?
– Eu. Deixe de frescura e abra logo esta porta.
– Não vou abrir a porta para estranho não.
– Eu não sairei daqui enquanto o senhor não abrir esta porta. Tenho muito tempo, vou esperar.
– Tá certo, tá certo. Vou abrir.
O dono da residência colocou a chave na fechadura, deu duas rodadas em sentido contrário, abaixou o trinco, a porta foi aberta devagar.
– O que você quer comigo a esta hora? Quem é você mesmo?
– Sou a Crise.
– Crise? Isso é nome de gente?
– A Crise chegou, José. Vamos sentar, pois teremos uma longa conversa.
– Você é louco?
– Deixe de fazer tantas perguntas, homem. O senhor sabe o que significa Crise?
– Mais ou menos.
– Quando a Crise chega a algum lugar, muito se perde. Por exemplo, aquela mesa com café e bolos, a metade agora é minha.
– Sua?
– Da Crise. A Crise cobra o que lhe é devido.
– Se você tem fome, então pode se servir.
– Quanto de dinheiro você tem guardado?
– Sai fora. Negócio de querer saber quanto eu tenho debaixo do colchão.
– De imediato levarei trinta por cento. A conta de água e de luz, neste mês, ficarão sem ser pagas. O carrinho do supermercado somente terão os produtos básicos. Carne apenas aos domingos.
– Que conversa fiada é esta?
– Seu emprego agora me pertence. Pertence a Crise.
– Você é louco varrido, só pode.
– Atenda o telefone.
– Como?
O telefone em seguida badalou.
– Atenda, José. Alguém tem uma notícia muito importante para lhe dá.
– Alô. Patrão. Como? Pedi o emprego. Por quê? Por causa da Crise? O que eu irei fazer agora? Dá meus pulos? Mas eu não sou sapo não. Desligou o telefone. Perdi meu emprego.
– José, acredite, o senhor está diante da Crise. Não tem como fugir de mim. Após tomar um pouco do seu café e levar trinta por cento dos seus bens, vou descansar na sombra daquele frondoso juazeiro. Reze e trabalhe muito para que um dia eu me canse e sigo para outro lugar. Vou lhe dá um conselho de bom amigo: em tempo de Crise, todo cuidado é pouco. Se fizer corpo mole, recusar trabalho, talvez eu até me engrace com a sua esposa. Se a Crise for pesada, levarei seu carro e a sua casa. Em tempo de Crise, a única certeza é a da incerteza constante.
– Maldita hora que eu fui abrir aquela porta.
– Se minha fome for gigante, até sua vida arrancarei de você.
– Até minha vida?
– Terei o maior prazer. Cuide-se bem, pois estou a todo instante lhe olhando. A Crise adentrou por aquela porta, José; tudo agora poderá acontecer.
– Você irá ficar debaixo do juazeiro?
– Sim. Mas se meu sono for pesado, se houver muito desconforto, amanhã quem sabe eu lhe cobro um quarto de sua confortável residência. Com o tempo poderei tomar até a sua cama, e se tiver fazendo muito frio, dormirei com a sua amada esposa.
– Vou pegar minha espingarda para lhe dá um tiro.
– Aquela espingarda já me pertence. Bala está cara, contratar um bom advogado custa bastante dinheiro. Cuidado com a Crise, José.
– Com tudo isso já tenho até dor de cabeça.
– É bom o senhor se acostumar logo com essas dores, enquanto eu não for embora, ela será sua parceira dia e noite. Vou para a sombra do juazeiro, meio-dia o senhor leve o meu almoço. Pouco sal. Suco de limão com uma colherzinha de açúcar.
A Crise se acomodou primeiro no terreiro, breve tomará a casa. José perdeu a paz, perdeu o emprego, com os dias foi comendo o que adquiriu durante muitos anos. A Crise ainda não foi embora, continua rondando a morada. José é forte e usa todas as suas armas para afugentá-la, o duelo é difícil, contudo ele já enfrentou outras Crises piores, é um Sertanejo vencedor. O presente é o presente; ninguém sabe o que virá no futuro; o passado já passou, o bom é que ele deixou as experiências para enfrentar os novos desafios.
– Maldita hora que esta Crise veio bater em minha porta.
– José, por favor, um copo com água gelada – grita a Crise na sombra do juazeiro. – Está um calor que até a Crise se esfria com um copo d’água.
– Já vou, já vou!
Crônica de Zé do Bode.